terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Aula 3 – Inglaterra e a Gasconha: O Parto do Palhete

Bordéus em tempos sofreu grandes invasões por parte de tropas oriundas de outros povos e países.
Foram os Godos em 406, os Vândalos em 408 e os Visigodos, que vieram para ficar em 414.
No séc. VII, as coisas em Bordéus complicaram-se com a vinda de uma outra tribo, oriunda de Espanha. Vindos da zona montanhosa onde nasce o rio Ebro (o maior de Espanha), chegaram os Gascões. Os Gascões eram quase considerados uns bárbaros, visto que se tratavam de um povo temivelmente violento, e com uma vontade enorme de chacinar tudo o que se encontrava em seu redor.
Mas o seu domínio terminou rápido com a vinda de uma outra “tribo”, também oriunda de Espanha. Os Sarracenses. O duque da Gasconha, Eudes, foi morto durante a defesa de Bordéus antes dos Muçulmanos serem decisivamente derrotados na batalha de Poitiers.
Em 763, foi a vez dos Francos, por parte da ameaça das tropas chefiadas por Pepino “o Breve”, que conseguiram conquistar Bordéus.
Por fim, quase 100 anos depois, chegou o povo mais temido de sempre. O povo mais bárbaro à face da história. Os Vikings, que saqueavam e incendiavam tudo à sua passagem.
Por causa de todas estas guerras, fez-se um silêncio absoluto de quase 250 anos em relação à produção de vinho.
Em 1130, houve em Roma um ensaio geral da contenda, que iria levar ao cisma papal, em Avignon. Foram eleitos dois rivais. O Duque Guilherme e o seu designado, o arcebispo de Bordéus, que apoiaram o lado perdedor.
Este faleceu pouco tempo de depois (Duque Guilherme), deixando a sua filha ao cargo do rei de França, Luis VI.
Aliénor, filha do Duque, tinha apenas 17 anos e era uma jovem muita decidida, com uma personalidade forte e correcta.
O rei Luis VI, enviou o seu filho de apenas 16 anos para Bordéus com mais de 500 soldados, em busca da sua noiva (Aliénor).
Casaram-se em 1137, tiveram dois filhos e divorciaram-se 15 anos depois.
Em 1151, Henrique Plantageneta, filho do Duque da Normandia chega a Paris. Aliénor comparou o jovem Henrique ao piedoso e fraco marido.
Aliénor desposou assim Henrique Plantageneta (10 anos mais novo), em que dois anos mais tarde, em 1154, se tornou rei de Inglaterra, tornando-se assim Henrique II e ela, rainha Eleanor. Estava então feita a ligação perfeita. Neste momento, Eleanor tinha 29 e Henrique II tinha apenas 18 anos.
Mas nem tudo correu como Eleanor estava à espera. Deu à luz oito filhos - sobrevivendo quatro rapazes e três raparigas - mas os problemas vieram depois, quando Henrique II decidiu dividir o seu reino pelos seus filhos.
Coroou Henrique, o filhos mais velho rei de Inglaterra e o segundo, Ricardo, Duque da Aquitânia e Geoffrey. O terceiro desposou a herdeira do Duque da Bretanha. O quarto, João ficou conhecido por, João “sem Terra”.
Eleanor decidiu conspirar contra o marido, para reconquistar o poder, ou pelo menos o seu ducado com a ajuda dos seus filhos, mas não correu nada bem. Henrique II descobriu a conspiração e mandou prender Eleanor até à morte do rei, que viria a ser em 1189, e perdoando os seus filhos.
O jovem Henrique entretanto também morre, ficando Ricardo, o favorito da mãe, que herdou a Inglaterra e a Aquitânia. Libertou-a e restituiu-lhe o seu ducado em França.
Foi Ricardo que fez do vinho de Bordéus o vinho da casa real.
Entretanto, Ricardo também morre, e quem fica a tomar conta da Inglaterra é João “sem Terra”, que deu a primeira igualdade de oportunidades, aos negociantes de Bordéus no mercado inglês.
Era díficil exagerar a importância que a calendarização desempenhava em relação aos vinhos de Cahors e Bordéus. É que o vinho de Bordéus que era vendido – embora fosse mais frutados, possivelmente mais fortes e provavelmente mais agradáveis e satisfatórios que os vinhos brancos produzidos no Norte – aguentavam-se tanto como eles. Era preciso esperar que no período de um ano, no máximo, azedasse; e que atingisse assim o seu melhor, poucos meses depois da vindima. Vinho que já tivesse um ano, veria o preço reduzido a metade, assim que o vinho da nova colheita fosse posta à venda. Em muitos casos, os vinhos eram deitados “borda fora”.
Quando Bordéus se tornou francesa novamente, era tolerado para evitar recaídas sediciosas dos que pensavam que faziam melhor negócio sob o domínio do rei Inglês.
Não que Bordéus se tivesse tornado o único fornecedor de vinhos de Inglaterra. Ainda havia mercado para os vinhos de Anjou, que eram relativamente doces e modernos, e para os de Reno, sempre de gosto popular. Os vinhos da Borgonha, que tinham começado a florescerem ao mesmo tempo que os de Bordéus, quase não chegavam a Inglaterra.
Nos finais do séc. XIII, três, das quatro remessas de vinhos destinados à casa real que partiam de Bordéus – e por real, entenda-se não só a mesa do rei, mas sim os seus servidores, as suas dádivas e favores e também para todo o seu exercito. Em 1282 Eduardo I encomendou 600 pipas destinadas à campanha contra os Galeses.
Até aqui as terras de Bordéus eram desaproveitadas, até que certo dia ganharam um súbito valor. O rei João e os seus sucessores: Henrique III e Eduardo I, todos eles venderam, arrendaram ou concederam terras de plantio e para a construção, neste período de expansão que varreu a região.
Em 1308, anotações feitas, mostra que em Libourne foram exportadas quase 11000 pipas de vinha. Cerca de 97000hl. O maior volume deve ter sido produzido em Bergerac. Mas esta quantidade não era senão uma sexta parte do total que toda a Gasconha exportou naquele ano. Os outros cincos sextos passaram por Bordéus.
Hoje em dia, a mesma área produz quase 3x mais, mas foi apenas depois da II Guerra Mundial, que foi atingido este número máximo.
Embora Bordéus fosse a capital dos vinhos de França, nem sempre estavam apetrechados com o melhor equipamento, como é o caso do número reduzido de prensas existentes nesta altura, nesta mesma região.
Bordéus tratava-se de uma região de pequenos produtores e sem domínios senhoriais, ou sem grandes mosteiros que estivessem apetrechados com prensas de vinhos.
Visto que quem governava Bordéus nesta altura eram os ingleses, o vinho produzido era o “palhete”. Vinho de cor tinta clara (à qual nós chamamos nos dias de hoje Rosé). Este era o melhor que Bordéus podia oferecer, ou pelo menos agradava mais ao gosto dos ingleses, e que claro está, o mais importante, que se aguentava na viagem marítima.
O vinho “palhete”, era também chamado por “vin d’une nuit”, porque o sumo da uva passava uma noite em contacto com as massas do vinho tinto. Hoje em dia chama-se a esta operação, Maceração.
A Guerra dos Cem anos terminou em 1453.
Anteriormente, em 1435, o Duque Filipe “o Bom”, trocou de aliados e os ingleses, cujo rei Henrique VI tinha apenas 13 anos, tiveram que se pôr na defensiva. Os seus cortesãos – que actuavam como regentes – estavam sempre metidos em querelas sangrentas e os negócios de Estado encontravam-se numa situação deplorável, como raras vezes se sucedeu ao longo da História.
Em 1438, os franceses entram pela Gasconha e devastaram-lhes as vinhas, e que de seguida se seguiu um período de tréguas. O objectivo era sim expulsar os ingleses e não destruir um bem tão precioso.
Nesta altura, Bordéus estava na mó de cima, tendo todos os privilégios possíveis no que tocava ao vinho, e Luis XVI, o ministro, inventou uma série de regras referentes ao transporte e comercialização dos vinhos:
Languedoc, Périgord, Angen e Quercy; todas as províncias ligadas pela numerosa rede de rios que se vão juntando às portas de Bordéus, não só não podem vender os vinhos que produzem aos habitantes de Bordéus que queiram comprá-los. Não podem utilizar livremente o curso do rio – dádiva da natureza – para o seu comércio externo.
Os vinhos de Languedoc não podem circular pelo rio Garonne antes do dia de S. Martinho; não podem ser vendidos em Bordéus antes do dia 1 de Dezembro. E os do Périgord, Agen, Quercy e de toda a bacia superior do Garonne só podem entrar em Bordéus depois do Natal.
Assim sendo, os produtores de Bordéus encontravam-se livres da concorrência das outras regiões, podendo assim venderem os seus vinhos a preços mais altos. A este termo era aplicado um nome: “Police du Vin”.

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